quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"O QUE SIGNIFICA PROPRIAMENTE O SACRAMENTO?" [3]

Dando continuidade a nossa atividade, posto mais um trecho do texto sobre os sacramentos:



Diante da explanação a partir do conceito de sacramento, existe outro elemento fundamental na apresentação do nosso texto:
           
         O plano de salvação e sua realização constituem o único mistério. Poderemos compreendê-lo se atendermos que no pensar bíblico a revelação de Deus é ao mesmo tempo palavra e ação; assim revela-se o plano de Deus da salvação, enquanto ele se realiza através de Cristo. Por isso mysterion pode significar ao mesmo tempo mysterion de Cristo e mysterion do plano de salvação.[1]

Sendo assim, Cristo é a realização plena do mysterion escondido e revelado. Ele é a prova concreta de uma resposta de Deus. A sua presença no meio dos homens (verdade ontológica), suas ações (valores éticos de Jesus e sua atuação soteriológica) e a manifestação do seu poder e a presença do Pai nele, faz com que Cristo se torne sacramento. Santo Agostinho, acerca desta questão, já afirmava: “Não há outro sacramento de Deus a não se Cristo”. Logo, Cristo é o centro deste mysterion. São Paulo nos oferece elementos que comprovam esta assertiva:
           
Deus realizou seu plano eterno de salvação através de Cristo que é nosso Senhor (Ef 3,11); nele primeiramente foram criadas todas as coisas (Col 1,16), de tal maneira que ele existe antes de todas as coisas e nele tudo subsiste (Col 1, 17) (...). Em seguida, ele operou a salvação dos homens (Col 1,14.20.22; 2,14; Ef 1,17; 2,13) e reuniu todas as coisas.[2]
           
O mysterion de Deus, mysterion da vontade divina, enquanto realizado por Jesus, passa a ser o mysterion de Deus em Cristo (hermenêutica acerca de Col 2,3). Por conseguinte, o mysterion de Cristo, presente sobre nós e anunciado a todos os povos, constitui-se no mysterion da Igreja. Vivida e manifestada em obras, torna-se vitae in Christo. Resumindo a totalidade da mensagem de Cristo, compreende, então, no mysterion do Evangelho. Este pequeno emaranhado de “mysterions” compreende as dimensões do plano salvífico de Deus em Cristo. Logo, percebemos que a História da Salvação está inserida em um acontecimento social, caracterizando o mysterion sacramental em uma conjunção do divino e visível.
Um dos pontos do texto, que serve de fonte para este trabalho, refere-se à questão do sacramentum das primeiras traduções da Bíblia. Diante de uma breve introdução do presente item, que apresenta a tendência europeia pela latinização do termo mysterion (em latim mysterium), e pela tradução africana de mysterion por sacramentum, chegamos a uma problemática que se refere à semântica e à história: por que sacramentum foi escolhido como tradução de mysterion?
A união do prefixo e sufixo do termo sacramentum dá à palavra um sentido religioso, como sacrare, sacrum, consecrare. Diante do contexto histórico romano, em que o aspecto religioso também tem um aspecto jurídico, sacramentum também passou a ter esta conotação.
Visto que a expressão sacramentum possui elementos que caracterizam, também, a ligação com uma linguagem sacra, um sinal sagrado, os cristãos dos primeiros séculos evitaram algumas palavras que tivessem conotação com cultos pagãos e que poderiam estar sendo utilizadas como sinônimos de sacramentum. Exemplos: mysteria, sacra, arcana, initia. Apesar desta atitude dos primeiros cristãos, a expressão sacramentum foi escolhida para traduzir o mysterion neotestamentário, diante da realidade em que o sentido dos termos é semelhante. Sendo assim, é de extrema importância apresentar a investigação mais aceitável acerca deste estudo semântico e histórico:
           
M. Verheijen investigou a pré-história da tradução mysterion-sacramentum. Verheijen parte do termo sôd que significa comunidade, assembleia, reunião do conselho, plano, comunicação confidencial, segredo (...), e constata que Teodocião e Símaco traduzem sôd por mysterion (...). Aqui sôd é traduzido por mysterion e é relacionado pela exegese rabínica com a circuncisão, que era denominada o mysterion principal ou sfragis. Verheijen mostra também que a palavra sfragis era usada não só pelos judeus para significar a circuncisão, mas também pelos cristãos para o batismo, de modo que surgiu uma certa continuidade na terminologia judeu-cristã religiosa a respeito da circuncisão e respectivamente do batismo. Ao sôd-mysterion-sfragis da Sinagoga opunham os cristãos o seu sfragis-signaculum, ou seja, o batismo. Verheijen pensa que signaculum (sôd-mysterion-sfragis) tenha sugerido sacramentum. Sacramentum como engajamento cristão (seu significado fundamental) era mais apropriado do que signaculum para separar a circuncisão do corpo da do coração. Acresce que sacramentum possui ainda outro significado, a saber, de “relação sagrada” que deve ser tomada no sentido de sôd e mysterion. (...) Sacramentum = mysterium: a equivalência entre sôd-mysterium pode ser traduzida por sacramentum como compromisso sagrado, vínculo sagrado. Desta maneira, sacramentum, como tradução de sôd, pode assumir também o sentido de segredo, “secreto” como elemento essencial de mysterion, um significado que a palavra sacramentum em si não possui.[3]


Continua...


[1] O que significa propriamente o sacramento? Leonardo Boff.
[2] Idem.
[3] Ibidem.

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